A vida é, sem dúvida, o maior dom que nos foi concedido!

Se pensarmos que, desde que nascemos, ou até mesmo antes, já temos uma série de etapas delineadas em que se impõe que sejamos bem-sucedidos, como numa corrida de estafetas quando alcançamos uma e seguimos para outra, não podemos mesmo deixar de reflectir sobre o que é a vida.
Uma dessas etapas é andar e, aí, fui bem-sucedida, pelo menos até certa altura! Falar, estudar, trabalhar, amar, desfrutar e ser feliz são outras que nos são concedidas, tendo em comum, todas elas dependerem apenas de nós, isto se a vida seguir o seu rumo normal, e nada houver que perturbe o seu fluir.
E, na minha vida houve um “pequeno” desvio que me fez recomeçar e reaprender tudo, ou quase tudo…
Lembro a primeira vez que fui ao ginásio, ainda no Centro de Reabilitação.

Ali estava eu num grande turbilhão de sensações em que se, por um lado, significava que as coisas estavam a evoluir, por outro, o desconforto era grande e tudo me parecia impossível.

Era, como já referi, a primeira vez que ia ao ginásio, depois do acidente que me deixou paraplégica e, aí, deparei com dezenas de pessoas, umas em melhores condições que eu, outras piores, mas todas a lutarem por uma recuperação que lhes desse mais qualidade de vida.
É difícil explicar para quem nunca passou por uma situação como a minha, mas o simples acto de nos colocarmos na posição de sentados, estando deitados, é uma das primeiras impossibilidades pela qual passamos e a única certeza que eu tinha de que seria possível, era olhar para aquelas pessoas que já o faziam.

A partir daqui, seguiram-se mais uma série de coisas impossíveis que, afinal se tornavam possíveis, com muito empenho e trabalho. Talvez este tenha sido o maior ensinamento da minha vida: o Ser Humano consegue adaptar-se a tudo!

Tomar banho, conduzir, colocar a cadeira no carro, jogar ténis e mais tantas outras conquistas se seguiram.
A viagem não chegara ao fim. Aliás, era o início de uma nova. Um despiste roubou-me parte da minha mobilidade, alguns sonhos e desviou-me do meu caminho, mas deixou-me a força e a determinação necessárias para seguir a jornada.
Viver um ano num hospital a seiscentos quilómetros de casa, num país diferente, longe de tudo e de todos e numa situação de completa vulnerabilidade, é uma prova de tamanha resiliência que, só com muita força, muito apoio e alguma esperança se consegue superar.

A vida é feita de conquistas e essa batalha começa no dia em que nascemos.
Ao longo da vida, temos que enfrentar as situações com que nos deparamos, boas e más, e todas elas vão delineando o nosso caminho, pelo que há que ter foco para não nos perdermos, e o único foco somos nós e chegar ao fim com aquilo que temos.

Se, aos 23 anos, o meu caminho se desviou do seu rumo normal, foi a isso que tive que me agarrar, ao foco, a mim! Viver com aquilo que tenho? Vamos lá! E o que é que tenho? TUDO! Tudo o que é necessário para ser feliz, se quiser.
Estamos sempre a ouvir que não é preciso muito para sermos felizes e, efetivamente é verdade, mas o grande problema é acreditar nisso e essa é uma certeza que só a vida nos traz.

Naquele momento, nada nem ninguém me conseguia convencer de que poderia ter uma vida normal, como qualquer outra pessoa. Já lá vão muitos anos e a informação não era tanta como hoje. Falar de acessibilidade era quase um tabu e a pessoa com deficiência e o seu dia a dia foram uma coisa com que me deparei, apenas porque me aconteceu a mim.

Acabar o curso, começar a trabalhar e ir viver sozinha foram-me trazendo normalidade e tranquilidade. O desporto, ténis adaptado, presenteou-me com emoção, amizades e autonomia. A competição deu-me confiança, pois o facto de ser a única mulher a fazê-lo, em Portugal, tornou o campeonato misto, para que eu pudesse participar e, com isso, vieram as viagens que, mais tarde, o casamento consolidou.

Quem diria que viajar ia ser o meu passatempo preferido? Explorar o mundo tornou-se o normal para mim e o meu principal objetivo.

Andar de gôndola em Veneza, de metro na labiríntica Hong Kong, de comboio na China, de barco nos fiordes da Noruega ou de helicóptero no Rio de Janeiro foram apenas meios para chegar a lugares tão marcantes como a Muralha da China, o Cristo Redentor ou o Top of the Rock em Nova Iorque, entre tantos outros.
As viagens permitem-me ver a evolução das acessibilidades ao longo dos anos e, de facto, torna-se cada vez mais fácil sair de casa, embora estejamos longe de ter um mundo adaptado a todos e, é por isso que me vou dedicando a esta causa. A sensação que tenho sempre que entro num local ou apareço numa determinada circunstância é a de que chamo a atenção e que, com isso, posso fazer a diferença.

Enquanto não atinjo o meu objetivo, o de ter um Mundo preparado e adaptado a todos, vou-me adaptando eu e seguindo a viagem da vida no comboio que passa, sem esperar pelo ideal.
E essa viagem passa por ir a lugares tão longínquos como o Hawaii, no outro lado do mundo, ou visitar países de uma beleza natural e deslumbrante, como a Islândia, ou até conhecer culturas diferentes da minha como quando visito países árabes.
Mas passa também por ir a locais perto de casa, no meu país, do qual me orgulho e que tem muito para oferecer, tanto em beleza como culturalmente, com uma diversidade que nos permite ter as mais variadas experiências.

E porquê as viagens?
As viagens são um gosto, mas significam também que faço parte do mundo e dão-me um enorme sentimento de liberdade e de superação como, de cada vez que vou e volto, com a vitória de ter passado algumas barreiras que persistem em existir, com a conquista de me ter contrariado a sair da minha zona de conforto e de ter crescido mais um bocadinho e com o enormíssimo prazer de ter conhecido mais um pedaço do mundo.

Estar na Muralha da China foi um dos momentos mais fantásticos que tive até hoje em viagem. De facto, pouco depois de chegar, consegui abstrair-me de que estava rodeada de pessoas e de que não podia percorrê-la, devido às escadas, e imaginei-me ali sozinha a apreciar uma das maiores Obras do Ser Humano e o meu pensamento foi: Que privilégio! Lembro-me de, nessa ocasião, ter recordado o momento em que estive no cimo da Torre dos Sinos da Basílica de São Marcos, em Veneza, e de me ter questionado qual seria a sensação das pessoas cegas que subiram comigo. E foi aí que entendi!

Viajar para um destino paradisíaco e ter a oportunidade de ir à praia é uma emoção para mim. A sensação que tenho quando entro no mar é inexplicável! É como se fosse a primeira e a última vez, e aproveito cada segundo de saudade e cada segundo de receio de não voltar. Este já era um dos meus maiores prazeres, mas, desde que fiquei paraplégica e estive alguns anos sem o fazer, tornou-se quase mágico.

Conhecer outras pessoas, com outras vivências e outros horizontes é de uma riqueza que me enche a alma e me alimenta o conhecimento.
Nem tudo é maravilhoso e nem sempre corre tudo bem, não tiro proveito de todas as ocasiões, mas isso é precisamente o que significa viver.
Assim que chego de viagem ocorre um sentimento surpreendente que me traz à memória, apenas o que se passou de bom, de tal modo é a vontade de partir de novo, nesse mesmo instante.

Nada disto aconteceria sem estar rodeada de pessoas fantásticas que sempre acreditaram em mim e me deram muita força, como a família e os amigos que são o nosso amparo quando tropeçamos na vida e são quem nos coloca, de novo, no rumo certo.

Dedico este texto a todas as pessoas que me acompanharam ao longo destes 30 anos:

Ao meu amor e companheiro de aventuras e de de vida, o meu marido, que me acompanha todos os dias e em todas as viagens que faço, sempre pronto para me ajudar e sempre atento a todos os pormenores que me possam afectar.

Tirando os meus pais, apenas uma me acompanhou, desde que nasci, e esteve sempre ao meu lado no momento mais difícil da minha vida sem me deixar desistir, acreditando e puxando por mim, desafiando-me a ir mais longe ao não querer desiludi-la. O meu querido irmão.

Aos meus pais que se pudessem trocavam de lugar comigo nos momentos difíceis e que estão sempre prontos para o que for preciso.

À minha amiga e cunhada que me acompanhou nos momentos difíceis, sempre disponível para ajudar. A que me levava comida para o hospital para que pudesse desenjoar o menu igual de todas as semanas.

Às minhas queridas sobrinhas que são uma luz que entrou na minha vida e me mostram que as futuras gerações são menos preconceituosas e aceitam as pessoas como elas são.

Aos meus amigos que estiveram sempre presentes e que sem eles seria tudo muito mais difícil. A seiscentos quilómetros de casa e noutro país eu era a pessoa que recebia mais visitas no hospital, ao fim de semana.

À minha família que esteve e está sempre presente. Não é por ser a minha, mas é a melhor do mundo.

Obrigada a todos por seguirmos juntos!

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